quinta-feira, 30 de julho de 2009

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Muito grande plano de pétalas de rosa orvalhadas
Foto de Augusto Mota
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Canso-me de acordar o princípio da demência
De voltar e perguntar sem responder

Ocupo-me de velar pelo som do tempo
De procurar a chuva certa o minuto a dobrar
de abraçar o coração do boi dentro do silêncio
De saber a pedra encontrar o rio nos pés

Ocupo-me de perguntar
E gostaria que o meu coração pudesse amanhecer
nas amêndoas vermelhas de uma árvore cheia de mãos.

Graça Magalhães, Julho, 2009

quarta-feira, 29 de julho de 2009

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Talvez eu não seja o tempo interior

a cereja das árvores no cio

a lagarta coração invadindo a flor

o fluir dos lábios ao começo das palavras

o encantar do silêncio nos pessegueiros.


Graça Magalhães, 2008, Lavrar no Corpo das Algas, Palimage Ed.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

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Jarro Laranja / foto de Augusto Mota
41.
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Quando ela morrer num apresto de festa
inseparável do mistério da sua boca
ficarão as palavras horizontais
no rosto assimétrico das lágrimas.
Ficarão as macieiras perfumadas
os segredos arqueados
arrancados ao peito em foices de prata.
Ficará o corpo deformado intenso de aromas
a dor do xisto nas ardósias e nos gritos
e um país contemporâneo.
Ficará a imagem das flores acumuladas
num altar azul sob os ombros dela
ficará o rosto fechado na linha dos olhos
O sorriso poisado a ternura imóvel
e a terra fresca aumentada toda aberta.
Ela poderá aí dormir com os olhos dos insectos.

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Graça Magalhães, 2006, Na Memória dos Pássaros, Palimage Ed.

domingo, 5 de julho de 2009

Pássaros de Silêncio - Xerófilas

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Xerófilas - desenho de Augusto Mota (1960), 32 x 38,5 cm.
Café e tinta-da-china



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Entre as folhas e o tempo
despertam pássaros de silêncio
única fronteira de ventos
a cobrir de olhos salgados
restos de divisão
lábios fechados

depois acendo a boca e o adeus perfeito
onde nascem laranjas do peito....
aves inquietas

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GRAÇA MAGALHÃES, in «Na memória dos pássaros», "Palimage Editores", Viseu, 2006, 2ª edição, p.4.